PEC que permite venda de plasma avança e ameaça soberania do SUS
Foto Lula Marques/ Agência Brasil

PEC que permite venda de plasma avança e ameaça soberania do SUS

Com lobby do setor privado, PEC foi aprovada na CCJ do Senado e segue ao plenário. Entidades públicas criticam

Com uma campanha forte do setor privado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, na última quarta-feira (4/10), uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a venda do plasma do sangue humano. Embora governo e entidades da saúde se manifestem contra essa medida, a matéria foi aprovada por 15 votos a 11, e o texto segue agora ao plenário da Casa.

A Constituição Federal proíbe qualquer tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas, e define que o sangue pode ser coletado para fins de transplante, pesquisa e tratamento. O texto, no entanto, altera a Constituição e passa a permitir a venda do plasma, que é parte do sangue. Na prática, a matéria coloca em risco a soberania do Sistema Único de Saúde (SUS) na questão, avaliam os críticos.

O plasma é usado para produção de medicamentos hemoderivados, como imunoglobulina, indicados para pacientes com alguma imunodeficiência.

O relatório aprovado na CCJ, feito pela senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), vice-líder do governo no Senado, permite que a iniciativa privada realize a coleta, o processamento e a comercialização de plasma humano “para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e produção de medicamentos hemoderivados”.

Daniella ressalta que, ao falar em comercialização, o texto se refere à indústria, e não ao cidadão. Apesar das negativas da relatora, porém, o texto como está permite que, em vez de doar, a população comercialize seu sangue. A questão foi amplamente criticada por alguns senadores, como Renan Calheiros (MDB-AL), que classificou a proposta como um “atraso civilizatório”.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI) afirmou não ser contrário à autorização para que a indústria farmacêutica também manipule o plasma e, assim, produza medicamentos hemoderivados a serem consumidos no Brasil. Entretanto, segundo ele, ao permitir a venda do plasma, o projeto vai esvaziar a doação de sangue no Brasil e deixar o SUS desabastecido de sangue e de medicamentos.

O texto ainda prevê que esses medicamentos produzidos pela iniciativa privada sejam destinados “preferencialmente” ao SUS, o que não garante exclusividade ou mesmo uma parte específica da produção à rede pública.

Ao longo da semana, a Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS), que representa a iniciativa privada, fez uma ampla campanha, nos principais jornais do país, ressaltando que o Brasil não processa o próprio plasma. “Temos que importar derivados de plasma a preços altos para atender doentes crônicos. Isso tem que acabar”, diz o texto publicado nas capas dos jornais.

A campanha foi criticada pela Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), estatal criada em 2004 e vinculada ao Ministério da Saúde. Apesar de não processar o plasma no Brasil, a Hemobrás tem uma parceria com uma multinacional que faz este trabalho. A empresa brasileira coleta o plasma e o envia à Europa, onde a Octapharma fabrica os medicamentos hemoderivados encaminhados, em seguida, ao Brasil.

Isso ocorre há mais de 15 anos e, até hoje, o complexo industrial da Hemobrás não está pronto. Chefe do Serviço de Relacionamento da Hemorrede (SRH), Frederico Monteiro ressaltou que a intenção é expandir o trabalho da Hemobrás para que a empresa passe a produzir tudo localmente, sem necessidade de envio ao exterior.

Monteiro afirmou que atualmente tanto a rede pública quanto a privada são abastecidas por sangue coletado por meio de doação. De acordo com ele, o projeto ameaça esse procedimento e a soberania do SUS no assunto.

“Nenhuma bolsa de sangue ou plasma é cobrada. O sangue é um tecido e não tem preço. Este projeto é inconstitucional e não vai fortalecer o abastecimento de medicamentos, principalmente para os pacientes do SUS. Pelo contrário, ele vai gerar um risco de desabastecimento, porque o assunto vai ser tratado de uma forma comercial”, disse Frederico Monteiro ao Metrópoles.

Baixa produção

Atualmente, a capacidade de produção da Hemobrás está abaixo da necessidade do Ministério da Saúde. Em fevereiro, a pasta computava que a média de consumo de imunoglobulina, por exemplo, era de 63.923 mil frascos por mês. De janeiro a agosto, a empresa pública produziu, por meio de uma parceria privada, apenas 99 mil frascos, insuficiente para dois meses de abastecimento da rede pública.

Autor do projeto, Nelsinho Trad (PSD-MS) falou sobre isso ao defender a aprovação da matéria. Assim como outros defensores da proposta, ele ressaltou que há escassez na produção de medicamentos derivados do plasma e que a permissão da venda desse material, com manipulação da iniciativa privada, pode ser a solução.

“É preciso oportunizar para que a iniciativa privada faça algo que, há 18 anos, a Hemobrás tenta fazer e não faz. Queremos fortalecer o SUS, tirar o peso do SUS nisso. Queremos técnica moderna, nova, para tirar o plasma e produzir os medicamentos necessários”, disse Trad.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) também defendeu o projeto e disse que o texto vai acabar com o monopólio de algumas empresas que fornecem hemoderivados ao Brasil.

Reação contrária

Antes da aprovação do texto na CCJ, o ministro Alexandre Padilha foi ao Senado e fez um apelo, que não surtiu efeito. “Essa PEC autoriza empresas privadas a captarem o sangue humano e venderem produtos desse sangue. É um verdadeiro vampirismo mercadológico: autorizar empresa privada a sugar o sangue da população e a transformar em produto a ser vendido, com o discurso de comprar esses produtos para tratar pacientes privados”, disse.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também se manifestou, apontando que a aprovação do projeto “pode causar sérios riscos à Rede de Serviços Hemoterápicos do Brasil e ao Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados”.

“A comercialização de plasma pode trazer impacto negativo nas doações voluntárias de sangue, pois estudos sugerem que, quando as doações são remuneradas, as pessoas podem ser menos propensas a doar por motivos altruístas”, afirmou. Para a fundação, é necessário aprimorar a política nacional de sangue, fortalecendo a Hemobrás, para que ela possa produzir no máximo da sua capacidade.O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também esteve no plenário da CCJ pedindo a rejeição do texto. Ainda não há data prevista para a votação no plenário da Casa.

Com Informações: Metrópoles

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